Grandes tramas de “Mulheres Apaixonadas”: Parte 2
Manoel
Carlos é o rei do merchandising social da teledramaturgia
brasileira? Acredito que sim. Assim como acredito que disputando esse trono com
ele somente a Glória Perez mesmo. (rs) O fato é que “Mulheres Apaixonadas” está recheada de temas sociais que deram certo
e que contribuíram para a conscientização da sociedade em diversos pontos,
ainda que algumas tramas não tenham envelhecido muito bem. Dificilmente outros
grandes autores conseguiriam inserir tantos temas sociais em suas novelas e ainda
assim dar conta do desenvolvimento de cada um deles – convenhamos, o Maneco
conseguiu desenvolver brilhantemente praticamente tudo o que inseriu em “Mulheres Apaixonadas”. Ele não foi
perfeito, mas teve o êxito de impactar o público com temas que continuam se
mostrando atuais e necessários, e que ainda levantam discussões quando
abordados nas novelas.
Santana
“Eu preciso de ajuda”
O Maneco
sempre gostou de abordar o alcoolismo em suas novelas, e já nos entregou muito
com personagens que deram o que falar – só que eu me lembro, desde que nasci e
passei a acompanhar as novelas do autor em minha vida de noveleiro, temos
Orestes (“Por Amor”), Santana (“Mulheres Apaixonadas”), Bira (“Páginas da Vida”), Renata (“Viver a Vida”), personagem de Bárbara
Paz que desenvolve drunkorexia, e Felipe (“Em Família”). Aqui, em “Mulheres Apaixonadas”, Vera Holtz deu
um show ao interpretar Santana, a
professora de Religião e Geografia que tem sua vida quase destruída por conta do
vício. Não à toa, através da personagem, Manoel Carlos chamou a atenção do
público para a seriedade da doença, já que, como a grande maioria dos
alcoólatras, Santana se recusa a enxergar que está doente e que precisa de
tratamento. E isso faz com que, cada vez mais, sua vida vire de ponta-cabeça.
Totalmente
sem controle sobre a doença, ao longo da novela, Santana protagoniza diversas
cenas tristíssimas, que colocam a personagem em situações vergonhosas,
degradantes e humilhantes, como quando ela bebe demais, em uma confraternização
na casa da Marcinha, e dá o maior vexame ao pular na piscina, na frente dos
alunos. Com todo seu problema com o álcool, e sempre passando dos limites, Santana
perde a credibilidade, é ridicularizada algumas veze e precisa ser afastada da
Ribeiro Alves até que volte a ter controle sobre a própria vida. E isso, além de
seu amor não correspondido pelo professor Lobato, faz com que ela tenha quadros
de depressão. Naturalmente, em vários momentos, Santana tenta convencer a todos
de que não é alcóolatra e de que pode controlar sua vontade de beber, mas não é
isso o que acontece, porque a personagem tem recaídas e chega ao fundo do poço
quando bebe perfume.
E é um
momento triste.
Apesar de
ter uma grande rede de apoio, com amigos que se preocupam com ela e que fazem
tudo o que está ao alcance para ajudá-la a se livrar do alcoolismo, chega um
momento em que nada mais pode ser feito se a própria Santana não aceitar que
está doente, que precisa de tratamento e que tem que partir dela a vontade de querer
se curar. Conforme a trama se desenvolve, conhecemos as diversas frustações que
levaram Santana a ser alcoólatra: ela nunca se sentiu uma mulher realizada e
seu passado amoroso é péssimo. Assim, ela buscou refúgio no álcool e chegou
onde chegou. Quando Lobato passa a corresponder a paixão que ela sente por ele,
ele começa a ajudá-la a aceitar o tratamento. E a Santana até começa a fazer
terapia apenas para agradá-lo, porque ela não tem a menor vontade de ir às
sessões e ainda não reconhece, totalmente, que está doente.
Mas as
coisas mudam quando ela coloca a própria vida em risco após ter um grande
recaída, esquecer o gás ligado e quase morrer asfixiada por conta disso. Logo,
depois que Lobato consegue salvá-la, ela finalmente se dá conta de que é hora
de buscar ajuda e decide se internar para iniciar o tratamento contra o
alcoolismo. E é o início de uma longa batalha que ela está disposta a lutar
para vencer – “Não vou fracassar”. Assim, Santana sabe que esse é apenas o
primeiro passo para sua recuperação, e que ainda há muito o que tratar para não
ter mais recaídas. E eu gosto desse final da personagem, onde Manoel Carlos
coloca todas as dificuldades que todo alcoólatra que busca ajuda terá que
enfrentar até se ver livre do vício. Logo, podemos considerar que Santana tem o
seu final feliz, tratando a doença e vivendo um relacionamento saudável com
Lobato. Sem dúvida nenhuma, de todos os personagens alcoólatras que o Maneco
criou, Santana foi a que mais impactou e colaborou para a conscientização da
doença.
Vera Holtz
arrasou demais!
Hilda
“Eu vou perder o seio, doutor?”
Em minha
opinião, Hilda é uma das personagens mais carismática de “Mulheres Apaixonadas” – e eu acho que os fãs da novela vão
concordar comigo. A irmã do meio da protagonista Helena vive uma vida
praticamente perfeita: tem uma filha que não é nenhuma típica filha de Helena,
portanto, não lhe dá grandes trabalhos, (rs) um marido que é completamente
apaixonado por ela e ainda trabalha com confeitaria (que delícia!) e não tem
nenhum problema financeiro – perfeito, né? Porém, toda essa vida feliz e sem
grandes problemas é afetada quando a personagem descobre que está com câncer de
mama. E não tem como não se sensibilizar com esse drama, pois parte dessa
sensibilidade vem do fato de que parece injusto demais que uma pessoa tão boa e
querida tenha que passar por algo tão cruel e devastador.
Então, Hilda
precisa criar coragem para enfrentar o problema de frente e vencê-lo. E é claro
que tudo isso não é nada fácil.
Com isso,
toda a trama da personagem é uma verdadeira aula sobre a doença e todo um
trabalho de conscientização sobre a importância a respeito de todos os cuidados
que toda mulher precisa tomar para evitar o câncer de mama, como os exames de
rotina e buscar um profissional ao menor sinal da doença. A novela nos mostra
que Hilda é uma personagem que sempre cuidou da saúde, mas um descuido com os
exames de rotina acabou complicando as coisas. É tudo bem didático nessa trama,
e mais uma vez Manoel Carlos contribuiu para a campanha de prevenção ao câncer
de mama, assim como fez em “História de
Amor” quando também abordou o tema através da personagem Marta. Obviamente,
vemos Hilda passar por todos os temores de quem é diagnosticada com a doença,
já que a própria palavra “câncer” quase sempre está relacionada a palavra
“morte”.
E ter medo é
algo absolutamente natural em um momento delicado como esse.
E falando
sobre o drama que é o câncer de mama, há toda aquela questão que mexe com a autoestima
feminina, como o medo de perder o seio, de se sentir mutilada depois, não mais desejada por alguém e de como o corpo vai
reagir a um tratamento tão agressivo e doloroso. Numa sociedade onde padrões de
beleza são impostos às mulheres, tudo isso faz com que a doença seja um problema
ainda maior, e a Hilda teme, em primeiro lugar, por uma crise em seu casamento,
com medo que Leandro não a queira mais. Provavelmente, se a trama fosse
abordada atualmente, teríamos uma Hilda mais preocupada com a própria saúde do
que com o que o marido poderia pensar sobre seu corpo por conta da doença, porque
Manoel Carlos pecou um pouco sobre uma das grandes preocupações da personagem
ser sua imagem diante do homem que ama.
Enfim! Era
uma outra época, e, como pôde, o Maneco retratou com delicadeza todas as fases
e processos dolorosos que a personagem de Maria Padilha passa até criar coragem
para enfrentar o câncer e iniciar o tratamento adequado. Assim, com o apoio
incondicional da família, e principalmente do Leandro, que sempre está ao seu
lado, demonstrando todo o seu amor pela esposa, Hilda consegue seguir no
tratamento e tudo indica que ela voltará a viver sem o drama da doença. E o
final feliz da personagem é mais que merecido. Além disso, sem sombra de
dúvidas, a abordagem do câncer de mama em “Mulheres
Apaixonadas” foi mais um merchandising
social relevante, tratando o tema com seriedade e comovendo e sensibilizando,
mais uma vez, milhões de telespectadores que, com o tema explorado em uma
novela do horário nobre, pôde tomar mais consciência sobre o assunto.
Dóris
“Eles estão velhos. Vai ser mil vezes melhor pra eles viver num asilo,
tá?”
Toda novela de
Manoel Carlos tem aquela personagem que é uma verdadeira peste. E a Dóris é uma
delas. Ambiciosa, egoísta, gananciosa e cheia de vontade de ficar rica sem o
menor esforço, Dóris se tornou uma das personagens mais detestáveis da novela
por ser cruel com os avós, o que acabou fazendo desta uma das tramas mais memoráveis
de “Mulheres Apaixonadas”. E o mais revoltante é saber que ela tem os melhores avós
do mundo, porque Flora e Leopoldo são uns amores com ela e o Carlinhos. Dóris é
simplesmente uma personagem odiada por 130 milhões de brasileiros – ao
contrário de Susaninha Vieira, que é amada pela mesma quantidade. (rs) E
Regiane Alves que se cuide em cada reprise da novela, porque ainda tem muita
gente querendo dar o troco em sua vilã desde 2003. (rs) Na trama, Dóris faz o
inferno na família porque acha que seus avós atrapalham sua vida e porque eles
tiraram sua privacidade quando ocuparam o quarto que era dela no apartamento
onde moram.
Assim, ela
está sempre querendo que eles se mudem para um asilo, já que, segundo ela, esse
é o lugar ideal para velhos que não servem para mais nada. E
convenhamos, Regiane Alves pode ser um amor, mas que ela faz maravilhosamente
bem uma personagem detestável… ahhhhh, isso ela faz. (rs) Sentimos aquela enorme
vontade de acabar com a Dóris por conta de todas as crueldades que ela comete
contra os avós. Ela rouba dinheiro deles para sustentar seus luxos, diz
barbaridades na cara dos dois e ainda chega a agredir um deles fisicamente –
“Eles estão velhos. Vai ser mil vezes melhor pra eles viver num asilo, tá? Com
gente da mesma idade que a deles” “Ó, meu Deus, que destino o meu, morar numa
casa de idosos”. Dóris é um horror! Com tanta maldade correndo nas veias, não
demora muito para ela levar uma surra de cinto do pai, Carlão, porque não tem
um pingo de respeito e empatia com Flora e Leopoldo.
A famosa
surra de cinto. O tipo de cena que não pode faltar numa novela do Maneco.
Em meio à
surra, um dos momentos mais icônicos de “Mulheres
Apaixonadas”, Carlão joga na cara da filha o quanto é revoltante e injusto
todas as barbaridades que a filha vem cometendo contra os pais dele, que sempre
lhe deram todo o amor do mundo… afinal, Dóris é uma garota que sorri para todos,
mas em casa trata Flora e Leopoldo como trastes. E ele não deixa de demonstrar
o quanto está decepcionado com a filha, sempre criada com todos os mimos
possíveis e, portanto, sem motivo nenhum para ser rude com os avós.
Naturalmente, toda a rejeição de Dóris gera sofrimento em Flora e Leopoldo, e eles
chegam à conclusão de que realmente precisam sair de casa porque estão atrapalhando
a vida de todos. E são inúmeras as cenas em que vemos os dois sofrendo, juntinhos
e calados, com as maldades da neta. Logo, ambos sofreriam muito até a reta
final da novela.
Depois de
tentar, por inúmeras vezes, fazer com que Dóris se tornasse uma pessoa melhor,
Carlão não aguenta mais os desmandos da filha e expulsa a vilã de casa depois
que ela passa dos limites e, no meio de uma discussão, acaba empurrando
Leopoldo. E tudo vira uma confusão em família, porque Irene enfrenta Carlão
para impedir que a filha seja escorraçada. Em um outro momento, depois de
escutar a neta reclamando dos avós, Leopoldo pede para Dóris não ir embora
porque Flora pode morrer se souber que
ela está saindo de casa por causa deles. Então, como grandes artistas que
um dia já foram, os dois decidem viver no Retiro dos Artistas. E é muito triste
vê-los saindo de casa, escondidos, para que ninguém tente impedi-los. Durante
sua trama, Manoel Carlos coloca em evidência, muito respeitosamente, o quanto o
lugar que recebe artistas, há décadas, é um bom lugar para viver. De fato, o
Retiro dos Artistas já abrigou e acolheu muitos artistas em uma das fases mais
delicadas do ser humano: a velhice.
E a Dóris dá
pulos de alegria quando fica sabendo da notícia. Cruel!
Então,
vivendo em paz e harmonia no lugar que os acolheu, Leopoldo e Flora não querem
voltar para casa quando Carlão tenta convencê-los a mudar de ideia. E ele acaba
respeitando a vontade dos pais. Então, a trama da garota que maltratava os avós
termina dessa maneira: com Flora e Leopoldo felizes no Retiro dos Artistas
enquanto a neta má não se dá tão bem assim no fim da novela – comentários que
farei em minha review sobre o último
capítulo. E apesar de ser revoltante, talvez essa tenha sido a melhor decisão
do casal de velhinhos mais fofos da teledramaturgia brasileira, já que viver
debaixo do mesmo teto que Dóris seria passar o resto da vida pedindo para morar
no inferno, porque não fica claro, em nenhum momento final de “Mulheres Apaixonadas”, que ela se
tornou uma neta arrependida das coisas horríveis que fez contra os avós.
Por fim, com
a grande repercussão da trama, “Mulheres
Apaixonadas” conseguiu contribuir para a aprovação do Estatuto da Pessoa
Idosa – inicialmente chamado de Estatuto do Idoso –, um projeto que já existia
há seis anos e que, com o tema abordado na novela, em 2003, virou debate entre
o público e pauta no Congresso Nacional e no Senado Federal, agilizando a aprovação
do projeto sancionado no primeiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da
Silva. Com esta trama criada por Manoel Carlos para sua então novela das oito,
o autor fez sua contribuição para conscientizar os telespectadores sobre o
tema, e, naturalmente, o número de denúncias de maus-tratos a idosos cresceu no
país. Contudo, também podemos tirar outro aprendizado disso: “A novela não é
apenas entretenimento, ela tem um caráter formativo e um caráter informativo”,
como disse Marcos Caruso à Folha de São Paulo.
Mas,
infelizmente, não mudamos tanto em 20 anos.
Para mais postagens de Mulheres Apaixonadas, clique aqui
Comentários
Postar um comentário