Grandes tramas de “Mulheres Apaixonadas”: Parte 1

 

Acredito que não há dúvidas sobre o quanto “Mulheres Apaixonadas” é uma das maiores e melhores novelas de Manoel Carlos. Abordando tramas polêmicas para a época de sua primeira exibição, em 2003, a novela ganhou relevância ao discutir temas importantes para a sociedade e chamou a atenção do público para suas tramas necessárias. Naturalmente, algumas histórias não envelheceram bem, o que é até normal, já que estamos falando de uma novela de 20 anos. Por outro lado, é triste ver que alguns dos temas abordados na obra de Maneco ainda são discutidos até hoje através de outras novelas da nossa teledramaturgia brasileira, sinal de que avançamos pouco e de que precisamos continuar discutindo esses temas – me refiro mais especificamente às tramas de violência doméstica, violência urbana, maus tratos contra idosos e homofobia, temas muito atuais na sociedade brasileira, infelizmente. Portanto, há que se considerar que “Mulheres Apaixonadas” foi e é uma das nossas novelas mais importantes.

Raquel

“Eu vou te encontrar sempre onde você estiver”

Eu nunca acompanhei o tema violência doméstica de maneira tão impactante em uma novela. Raquel é a professora de Educação Física que se muda de São Paulo para o Rio de Janeiro na tentativa de fugir de seu ex-marido violento, Marcos, ou o Tom Hanks do mal. (rs) Brincadeiras à parte, em minha opinião, essa é a trama mais impactante da novela, com cenas fortes, comoventes e até mesmo difíceis de assistir. E não há como negar que Helena Ranaldi e Dan Stulbach entregaram tudo em suas atuações memoráveis. Fazendo parte dessa trama, temos o personagem Fred, aluno com quem Raquel se envolve e acaba tendo um romance que coloca a vida do adolescente em risco. E falando em Raquel e Fred, quando eu falo que algumas coisas não envelheceram bem na novela, esse é um dos casos.

Não dá para defender o romance de Raquel e Fred quando isso envolve ética, moral e falta de profissionalismo. É muito comum vermos alunos se apaixonando por professores, e o que pega aqui é que a Raquel corresponde a esse sentimento que, provavelmente, não existiria se ela não fosse a pessoa a iniciá-lo, já que o Fred sempre foi um garoto de poucas relações e muito reservado. No começo da história é ela quem busca se aproximar do adolescente antes mesmo de se tornar, oficialmente, uma professora da escola Ribeiro Alves. É Raquel quem se encanta primeiro por Fred ao vê-lo nadando na piscina da escola, sem nem mesmo ver o seu rosto. Então, ela passa a buscar uma afinidade com ele e a fazer inúmeros convites para programas, juntos… e isso inclui idas à casa dela. Com toda essa atenção que parte dela, Fred, naturalmente, se apaixona por ela.

Raquel poderia ao menos esperar para que Fred completasse sua maior idade antes de envolver com ele. Por outro lado, mesmo sabendo que essa relação não foi construída de forma ética, é complexo imaginar que ela conseguiria dominar seus sentimentos quando já havia se deixado levar pela paixão. Sendo assim, precisamos corrigir uma coisinha envolvendo essa trama: Eleonora, mãe de Fred, não pode ser considerada uma vilã por tentar afastar o filho da professora. A personagem foi vista de forma negativa durante um bom tempo. E eu até concordo que a superproteção de Eleonora não é nada saudável, mas isso não faz dela uma vilã por querer o filho longe de Raquel. Com essa relação entre professora e aluno, a vida de Fred entra em risco quando Marcos descobre o paradeiro de Raquel e ressurge para infernizá-la.

Mas antes de reaparecer, ele faz questão de atormentá-la com ligações que dão indícios de que ele sabe onde ela está e que pode aparecer a qualquer momento, além de mandar flores como se fossem um casal apaixonado. Tudo isso deixa Raquel completamente apavorada, e ela passa a viver uma vida de tensão e pânico. Assim, quando Marcos aparece, o inferno está completo, porque ele quer reatar seu casamento e passa a fazer ameaças, a coagir, a impor suas vontades e a praticar violência psicológica e, claro, física também, espancando Raquel com uma raquete de tênis – a famosa raquete. E todas essas cenas são carregadas de muito pavor e impacto. É um horror ver o que Marcos faz com Raquel. O tom psicopata que Dan Stulbach deu ao personagem nos fez detestar e querer matar Marcos. É tudo muito revoltante. E o ator estava perfeitamente odiável neste papel.

No meio de tudo isso, temos o Fred tentando defender Raquel das ameaças de Marcos e enfrentando o vilão da maneira como pode para livrar o grande amor de sua vida de todo o tormento que está vivendo. Mas ele é apenas um adolescente que, por diversas vezes, tem sua vida colocada em risco por amar Raquel, já que Marcos também passa a persegui-lo para tirá-lo de seu caminho. Toda a trama de Raquel é um incentivo para que mulheres que sofrem violência doméstica tenham coragem para denunciar seus agressores. E a personagem passa por todas as fases até criar essa coragem, como o medo, a insegurança, as humilhações e outros abusos, incluindo o sexual. E é somente no final da novela que Raquel denuncia Marcos, e a novela passa a fazer duras críticas a falta de apoio, por parte da justiça, às mulheres que sofriam violência doméstica. Quase não havia penalidade para essa prática e a Lei Maria da Penha só chegaria três anos depois da exibição original da novela, em 2006. Uma triste situação.

Ainda assim, a história da personagem Raquel conseguiu contribuir, e muito, no combate contra a violência doméstica.

Por fim, a trama não teve um final feliz. E seria fantasioso demais se tivesse. Marcos consegue sequestrar Fred e os dois acabam morrendo em acidente de carro, numa cena repleta de tensão e tristeza, porque Raquel se desespera por ver tudo acontecendo e não ter conseguido impedir – chorei. A morte de Fred é injusta demais, porque o personagem era apenas um adolescente e sua vida seria poupada caso não tivesse se envolvido com sua professora. Mas ao mesmo tempo é algo que poderia acontecer na vida real… já vimos muitos desfechos trágicos quando o assunto é violência contra a mulher. Definitivamente, essa é uma das tramas mais necessárias de “Mulheres Apaixonadas”, um tema atual e discutido até hoje. É impossível não se envolver, porque se trata de uma trama que, além de impactante, também é bem verossímil. Então, no último capítulo da novela, descobrimos que Raquel está grávida de Fred, e, assim, de alguma maneira, ele continua vivo para aqueles que o amavam.

E pobre da Marcinha! Sempre apaixonada por Fred, e fazendo de tudo para chamar sua atenção, ela nunca conseguiu ter uma chance com ele.

Fernanda

“O anjo disse que tá chegando o dia que a minha mãe vai morrer”

Através da personagem Fernanda, abordando também a violência urbana no Rio de Janeiro, Manoel Carlos nos entregou uma das cenas mais emblemáticas da teledramaturgia brasileira e, sem sombra de dúvidas, uma das mais impactantes e emocionantes de “Mulheres Apaixonadas”: o tiroteio no Leblon, causa da morte de Fernanda. Me lembro que, na época da exibição original da novela, as notícias eram de que os planos para a personagem de Vanessa Gerbelli não eram longos, pois Fernanda morreria bem antes da metade novela. Mas a personagem conquistou o público e, com isso, garantiu um bom tempo de tela que rendeu mais de 150 capítulos. O desenvolvimento da história de Fernanda não é uma das coisas mais interessantes da novela – em minha opinião –, mas o seu desfecho compensa tudo o que vem antes. Convenhamos, é a morte da personagem que faz de sua trama uma das melhores da novela.

Fernanda é a ex-garota de programa com quem Téo teve um caso e também um filho: o Lucas, a criança que ele levou para dentro de sua relação com Helena como se fosse um filho adotado, um segredo que ele compartilha com Fernanda. E ainda temos a carismática Salete (a mini Bruna Marquezine naquele ano de 2003), a filha que Fernanda esconde a verdadeira paternidade – Gente, como a Bruna era um prodígio na atuação, né? Tão pequena e com um talento tão gigante. Sou completamente apaixonado pela Salete. Me emociono com ela em vários momentos da novela. Ainda apaixonada por Téo, Fernanda nunca quebrou o vínculo com ele, que sempre a ajuda em várias situações e, de certa forma, é o pai que Salete nunca teve… seria a família perfeita se Téo não tivesse se casado com Helena. E Fernanda nutre alguma esperança quanto a isso acontecer um dia, mas não acontece.

Como já mencionei, o desenvolvimento da trama de Fernanda não é uma das coisas mais interessantes de “Mulheres Apaixonadas”, apesar de gostar muito do tom que Vanessa Gerbelli deu à personagem e de achá-la querida, mas é realmente sua morte que faz sua trama se tornar uma das maiores da novela. Durante uma troca de tiros entre policiais e assaltantes, no Leblon, Fernanda e Téo são vítimas de bala perdida. Toda a sequência é minuciosamente bem dirigida e emocionante, e, para deixar tudo ainda mais tenso, é embalada por “Faint”, da banda Linkin Park – eu posso ver essa cena um milhão de vezes, e um milhão de vezes eu vou chorar um rio de lágrimas. É uma cena forte! E Salete sentindo a morte da mãe deixa tudo ainda mais impactante e emocionante, algo que ela já vinha prevendo que ia acontecer capítulos antes, porque o anjo havia lhe revelado a tragédia. Eu não sei nem explicar com palavras o quanto essa cena mexe comigo, o quanto ela é marcante e poderosa para a teledramaturgia brasileira.

A atuação de Vanessa Gerbelli, Tony Ramos e Bruna Marquezine me faz sentir a emoção de cada personagem. Uma cena definitivamente emblemática e inesquecível. Meu Deus, que cena! Parou o Brasil.

Depois de agonizar por alguns dias no hospital, Fernanda morre, mas antes ela revela à Helena sobre Téo ser o verdadeiro pai de Lucas e ter adotado o próprio filho com a protagonista. E isso gera mais um conflito entre ele e Helena. E eu preciso comentar o que foi a atuação de Bruna Marquezine nesta cena, segurando toda a carga dramática que o momento pedia, sozinha. Um show de atuação aos 8 anos de idade! Salete presencia a própria mãe morrer – mais uma cena tristíssima e emocionante. Com a morte de Fernanda, Salete fica aos cuidados de Inês, sua avó megera que passa a extorquir Téo para que ele possa ver a criança. Uma bruxa detestável que maltrata a neta e a faz sofrer o pão que o diabo amassou. A relação de Téo e Salete é uma das coisas mais lindas da novela, e ele faz de tudo para estar junto dela, inclusive aceitar as chantagens de Inês.

Porém, o desejo de Salete, de que Téo seja seu pai, se cumpre no último capítulo da novela quando, após desconfiar que ela também possa ser sua filha, um exame de DNA comprova que ele é seu verdadeiro pai. Então, Téo livra Salete da avó insuportável e, com isso, pode ser, integralmente, o pai que ela sempre quis que ele fosse. E é uma delícia ver Inês quebrado a cara, e, claro, ver que Salete tem um final feliz. Vale lembra também que, com a trama violência urbana, ficção e realidade se misturaram quando os atores da novela se uniram a uma multidão em uma passeata contra o desarmamento. Mais uma vez, “Mulheres Apaixonadas” fazendo seu papel de conscientizar o público em algo tão necessário. Infelizmente, de 2003 para cá, vemos a criminalidade crescer cada vez mais no Rio de Janeiro e em outros territórios brasileiros também… no mundo. Será que um dia poderemos viver sem medo?

Heloísa

“Eu vivo pra você 24 horas por dia”

UMA MULHER LOUCAMENTE APAIXONADA? Sim, Heloísa é surtada, desequilibrada e paranoica por conta de seu ciúme doentio pelo marido. Mas nem tudo é culpa dela ou apenas fantasia de sua cabeça quanto a isso, porque Sérgio também é culpado quando o assunto é o descontrole de Heloísa, já que ele não se dá ao respeito e vive dando em cima das novinhas do prédio, da praia e de onde quer que ele tenha a oportunidade de jogar o seu charme, o que alimenta ainda mais a paranoia de Heloísa. Então, alguns dos surtos de Helô são justificáveis por conta do comportamento galinha do Sérgio. Desde o início da novela, a personagem de Giulia Gam dá indícios de que vai se tornar uma mulher cada vez mais possessiva, obsessiva e controladora em relação ao marido, um homem que ela ama cegamente e que não consegue enxergar o quanto isso lhe faz mal. E uma das coisas mais tristes dessa trama é que Heloísa não tem um pingo de amor próprio, porque sua vida, seus sentimentos e seus pensamentos giram em torno do Sérgio.

Essa é uma das tramas mais inesquecíveis de “Mulheres Apaixonadas”, uma daquelas que eu também acho necessária por ser, de certa forma, atual e ainda discutível nos dias de hoje.

A novela passa a mensagem do quanto é prejudicial e perigoso um amor doentio como o de Heloísa por Sérgio, mas peca na abordagem ao colocar a personagem como única culpada por tudo de ruim que ela mesma provoca. É uma trama com um toque machista, e nisso ela não envelheceu bem. Maravilhosamente interpretada por Giulia Gam, Heloísa é capaz de tudo em nome de seu amor por Sérgio – “Eu vivo pra você 24 horas por dia” –, como protagonizar inúmeros escândalos; picotar todas as roupas dele; juntar uma galera na frente do hotel Praia do Leblon e se humilhar num pedido de desculpas para que ele a aceite de volta; provocar o próprio acidente de carro quando entra em paranoia e começa a achar que está vendo o marido com outra mulher; esfaquear Sérgio durante uma discussão; tentar atropelar Vidinha, uma de suas rivais; tentativas de suicídio e muito mais.

Heloísa não tem limites para esse amor descontrolado e claramente doentio. E é ela quem sempre sai perdendo com todas essas atitudes nocivas.

Um outro grande conflito entre Heloísa e Sérgio é o fato de ela não querer engravidar para não ter que dividir a atenção dele com uma criança. Então, durante muito tempo, ela esconde dele que fez uma esterilização para não gerar o filho que ele sempre quis… e isso complica ainda mais as coisas no casamento dos dois quando vem à tona. Sérgio tenta recuperar sua relação com Helô mais de uma vez, porque a ama e quer salvar o casamento. Porém, após perdoá-la várias vezes, e de enxergar que ela não vai cumprir suas inúmeras promessas de que vai mudar, ele decide se separar definitivamente porque as atitudes dela já colocaram muitas vidas em risco. E a personagem só se afunda cada vez mais numa depressão a cada capítulo, o que é triste de assistir. Ainda sem reconhecer que está doente, Helô começa a frequentar o MADA (Mulheres que Amam Demais Anônimas), e as reuniões do grupo, com relatos emocionantes e verídicos, fazem Heloísa enxergar, pouco a pouco, que seu amor por Sérgio se transformou em uma louca dependência e em uma doença.

O MADA é um dos pontos positivos da trama, mostrando que existe tratamento para mulheres que amam demais e que é possível se recuperar de um amor obsessivo e seguir em frente. Mas antes de se convencer que precisa de tratamento, no final da novela, Heloísa comete uma nova tentativa de suicídio e é salva por Sérgio, que a livra de morrer afogada. Então, ele e Helena chegam à conclusão de que Helô precisa ser internada. E é uma cena fortíssima, onde ela reluta e precisa ser sedada para ser levada à uma clínica psiquiátrica. Para encerrar a trama, Helô se convence de que precisa continuar se tratando e de que não tem mais futuro ao lado de Sérgio. Assim, ela o deixa livre para seguir sua vida ao lado de Vidinha, a garota que sempre foi apaixonada por ele e que, com a decisão de Heloísa, terá sua chance com o gostosão que sempre deu em cima das novinhas. Sem dúvida, a trama de Heloísa é uma das melhores de “Mulheres Apaixonadas”, nos entregando grandes momentos da personagem de Giulia Gam.

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