O Outro Lado do Paraíso (As Vinganças de Clara) – Clara se vinga de Vinícius: Parte 1


“FOI ELE. O MEU PADRASTO. EU ERA SÓ UMA MENINA, CLARA!”
Com certeza essa é a vingança mais complexa de Clara, por envolver uma terceira personagem tão amável que não tinha nada a ver com a história: Laura, a enteada do delegado que sofreu abuso sexual dele na infância. PESADO. Discutir a PEDOFILIA é algo um tanto complicado dentro de uma novela, justamente porque o tema faz parte de uma realidade desagradável e recorrente em nosso país. E para muita gente falar sobre isso ainda é um TABU, ou um fato que milhões preferem varrer para debaixo do tapete. Mas a verdade é que a pedofilia existe. Ela está aí, acontecendo. E eu acho válido esse assunto ser debatido em rede nacional usando a teledramaturgia como meio. A crítica caiu em cima de Walcyr Carrasco, por ele não ter abordado de forma correta o assunto. E alguns declararam que o autor fez isso de forma “porca”. Em determinados pontos, ele deu mesmo uma patinada, confesso. Mas nada que comprometesse tanto a abordagem do tema.
Sendo assim, de forma incorreta ou não, ao menos ele tocou na ferida, e fez o Brasil parar para ver o desfecho da trama do delegado pedófilo, garantindo picos extraordinários de audiência equivalentes a um último capítulo de novela, e levantando discussões nas ruas e dentro dos lares sobre a importância de se discutir a pedofilia e o abuso, além de convidar o público para uma luta contra esse crime cruel e chocante que muitas crianças e adolescentes sofrem. Só por esse simples fator, eu já defendo o Walcyr. Apenas por ter tocado na ferida, ele me ganhou. Bem, Clara já havia escolhido a próxima vítima de sua vingança: Vinícius, o delegado responsável por pedir um laudo psiquiátrico, a mando de Sophia, que foi a base da internação dela num hospício. Então, tudo o que Clara precisava saber era como ia conseguir chegar até ele. Mas esse presente a Lei do Retorno deu a ela, quando Renato lhe dá a ideia de ser madrinha de casamento de Laura e Rafael com ele.
Ali, ela vê a oportunidade de se infiltrar na família do delegado para tentar descobrir algum podre dele. E ele com certeza tinha muitos. Logo, não demora muito para que ela faça amizade com Laura e descubra que Vinícius está odiando a ideia de sua enteada estar se casando com Rafael. E ele não tinha motivos para ser contra essa união. Afinal, Rafael era um bom rapaz, que podia e estava fazendo muito bem a Laura, uma garota que vimos, ainda criança na primeira fase da novela, crescer muito retraída, reclusa e sem muitas expectativas quanto a relacionamentos amorosos. Resumindo, Laura não viveu o que deveria ter vivido em cada fase de sua vida até ali, como uma infância saudável e uma adolescência com seus dramas, descobertas e alegrias comuns da fase, e isso incluía as paixonites. Laura, então, começa a desabafar com Clara, e a amizade das duas passa de superficial, apenas como um viés para a vingança da protagonista, para algo verdadeiro e sincero.
E é óbvio que Clara começa a desconfiar do comportamento de Vinícius, porque sua intuição diz que existe “coisas além de uma relação conturbada entre padrasto e enteada”, depois que Laura relata que ele é tratado como um “rei dentro de casa”, deixando transparecer o quanto a relação deles é complicada. E Clara vai mais fundo na questão quando Renato lhe conta como Rafael desabafou com ele sobre os problemas sexuais de Laura, sobre o quanto ela tem “medo de sexo”. Com essa informação, Clara decide se aproximar ainda mais de Laura, para descobrir tudo sobre a relação de sua amiga com o padrasto… Laura e Rafael se casam, e o sexo na lua de mel é um desastre, com ela não suportando ser tocada por ele e caindo em prantos por isso. É triste sentir a frustração dela, porque Laura tentou ter uma noite de amor com o marido, mas não conseguiu.
Laura estava feliz por ter se casado com Rafael, embora ainda faltasse muita coisa para essa felicidade ser mais completa; a realização sexual, por exemplo. E eu acho o Rafael um fofo, quando ele a consola sem ao menos saber o motivo pelo qual a esposa o rejeita tanto. Rafael é paciente com ela, não força a barra, e nem questiona nada. Ele sabia que aquele não era o momento. E não tem como não achar comovente essa preocupação dele com Laura… ele é um poço de compreensão. E eu choro, tanto com ele quanto com ela, porque ali começam os problemas mais angustiantes na vida dos dois. Com a volta da lua de mel antecipada, Laura conversa com Clara e se abre com a amiga, contando sobre sua frustração, sobre como ela não conseguiu fazer amor com o marido, porque sente uma sensação desagradável quando ele a toca, e ela não suporta isso. E, definitivamente, o sofrimento de Laura é tocante, porque nem ela mesma consegue entender os motivos de tanta aversão a sexo.
Assim, Clara tenta compreender qual pode ser o problema de Laura, porque Rafael aparenta ser um homem carinhoso, o que Laura confirma e fala das boas qualidades do marido. E Clara conversa com ela sobre ser normal a primeira vez ser um pouco desconfortável, como se esse pudesse ser o possível problema sexual da amiga… mas não é. E ela acaba chegando a hipótese de que talvez o bloqueio de Laura tenha a ver com algo que ela tenha vivido no passado – “Será que não é alguma coisa que está ligado a você mesma?”. Então, Laura aceita ser levada por Clara para uma sessão de terapia, depois que Clara dá a entender que a raiz do bloqueio psicológico da amiga pode ser algo que esteja dentro da memória dela, e que ela deve ter esquecido por se tratar de algo que provoca dor e medo. Porque só a lembrança do fato já devia ser forte demais para ela. Logo, Clara a leva até Adriana, que começa a trabalhar com o psicológico de Laura em uma sessão de regressão.
E a terapia hipnótica de Adriana é a minha única crítica no roteiro referente ao tema da pedofilia. Eu sei que as intenções de Clara eram boas, mas levar Laura para ser submetida a uma regressão através das técnicas de Coach de Adriana para conseguir arrancar verdades escondidas no subconsciente da amiga foi um pouco demais. Clara não pensou no mal que estaria fazendo a Laura ao ressuscitar de forma abrupta um passado que poderia ser chocante demais? Ainda mais porque ela nem sabia do que realmente se tratava o problema, e trazê-lo à tona assim poderia deixar Laura ainda mais traumatizada. E também pesava a questão de ela estar levando a amiga para ser tratada por alguém que apenas usava técnicas, e que não era uma especialista em psicologia. Laura precisava de um tratamento especializado, e não de uma advogada que era Coach, e que usava as mesmas técnicas para tirar as verdades de seus clientes. Isso foi um erro.
Enfim, embora Clara quisesse ajudar Laura, ela também queria se vingar de Vinícius. E pareceu que ela quis colocar tudo dentro de um mesmo pacote na intenção de descobrir logo o que Laura tinha para chegar mais rápido a algum podre que Vinícius pudesse ter cometido, para ir lá e acabar com ele de uma vez por todas. Então, Laura foi submetida àquela sessão de regressão/hipnose e técnicas de Coach de Adriana. E mesmo não concordando muito bem com este método sugerido por Clara, eu tenho que confessar uma coisa: a cena foi IMPACTANTE, CHOCANTE E ANGUSTIANTE, e visualmente muito bem elaborada. Eu chorei com Laura voltando ao seu passado. Eu senti a dor da personagem. E igualmente fiquei agoniado com a situação em que ela se encontrava. Era impossível não se sensibilizar com ela, assim como era impossível não sentir empatia.
Entramos na mente de Laura, e lá conhecemos as sombras de seu passado, em uma cena que nos convidava a enxergar o lado emocional da personagem, e tudo o que estava escondido no lugar mais profundo de seu subconsciente. Uma cena forte demais, que deu náuseas… e só de lembrar eu já fico incomodado. Embora, aqui, tudo tenha sido perfeito. Laura se reencontra com ela mesma ainda criança, e o que estava adormecido é acordado. Ela se vê em uma menina inocente, até que seu maior pesadelo surge: Vinícius, com um olhar de quem deseja fazer mal a ela. Então, nos deparamos com aquele tanque com uma tartaruga dentro, o local onde ele abusava dela, e entendemos o porquê Laura tinha aquela fobia a qualquer imagem do réptil: Vinícius a violentava à beira de um tanque com tartarugas. E assim, somos guiados em uma viagem perturbadora dentro da mente da personagem, em uma sequência esplêndida de cenas.
Vemos Laura correr da perseguição de Vinícius pelos cômodos de uma casa de boneca; ser lançada com violência em um chão repleto de água; ser tocada por aquelas muitas mãos que a sufocam, e ali compreendemos que aquelas mãos representam as de Vinícius abusando de seu corpo. Laura está vestida com roupas infantis, e claramente percebemos que sua infância estava sendo roubada. Aquilo mexeu fortemente comigo. Foi uma cena maravilhosa e ao mesmo tempo inquietante de se assistir. O Outro Lado do Paraíso soube muito bem trabalhar, em cenas lúdicas como esta, o lado espiritual e emocional de seus personagens. Isso é uma das coisas que eu amo na novela: a representação do outro lado deles, um lado que passamos a conhecer. Um mergulho nas emoções dos personagens. É lindo e comovente ao mesmo tempo. Mas voltando à regressão de Laura, em paralelo às suas cenas lúdicas, a vemos atormentada, e sofrendo muito por reviver aquilo.
Com as emoções negativas de suas lembranças escondidas surgindo novamente, ela chega a um estado emocional desgastante. E Adriana precisa trazê-la de volta… e quando ela sai do transe é como se nós também tivéssemos saído. Que alívio! E eu caí em prantos junto com a personagem, quando ela desaba em lágrimas e começa a achar que tudo foi sua culpa, revelando que Vinícius abusou dela, enquanto toca seu corpo com certo nojo – "Foi ele. O meu padrasto. Eu era só uma menina, Clara!". Então, Clara a conforta e cuida dela, ao mesmo tempo em que passa a saber que o podre do delegado é algo CHOCANTE e REVOLTANTE. E ela toma o sofrimento de Laura para si. Dali em diante, sua sede de vingança se transforma em algo maior: uma sede de JUSTIÇA! E ela está disposta a dar início a essa vingança mais do que justa, quando decide denunciar Vinícius, para que ele pague pela monstruosidade que fez com sua amiga – “O delegado não escapa. Eu quero denunciar esse monstro!”.

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