O Tempo Não Para – A sensibilidade de Marocas diante do sofrimento de Cairu



Cairu me parece ser uma mulher um tanto quanto ressentida e revoltada com o destino que sua vida tomou. E eu digo isso me baseando na vida que ela levava nos tempos de escrava dos Sabino Machado: Cairu nunca aceitou o fato de cair na desgraça de ter se tornado uma escrava em terras brasileiras, porque ela “é filha de reis africanos”, e, por isso, é fácil compreender seu comportamento orgulhoso, e, por vezes, até petulante. Porque é difícil ter sua liberdade roubada, ainda mais quando se era de uma realeza. Cairu estava carregando uma mágoa tão grande pelo rumo que sua vida havia tomado, que uma parede de orgulho parecia ter se erguido em seu coração para protegê-la de qualquer adversidade da vida. Mas os Sabino Machado nunca deixaram de amá-la, e nem de ampará-la durante os tempos de escravidão, e tampouco depois que ela despertou de seu congelamento, mesmo ela sendo a única escrava afrontosa deles.
Porém, depois que despertou, Cairu quis saborear o gosto da liberdade, longe dos cuidados que os Sabino Machado ainda poderiam proporcionar a ela, porque “ela não era mais escrava”, e como eu já citei em um de meus textos: “ela foi a ex-escrava que melhor lidou com a notícia da abolição”, pois ela estava sendo tudo o que uma filha de reis gostaria de ser novamente. LIVRE! Mas essa vontade de reconquistar a liberdade a jogou para à margem da sociedade: Cairu virou uma mendiga! E quando ela foi encontrada pela POC, e por Zelda, para se tornar uma grande modelo, usando as criações roubadas de Marocas, ela passou a gostar da atenção que estava recebendo, mesmo que ainda estivesse desconfiada de cada passo alheio, porque Cairu nunca foi burra. E ela, mesmo não entendendo nada de modelar, viu que aquela era a oportunidade que este século estava lhe dando para subir novamente na vida, como uma grande nobre que sempre fora, ainda que tenha passado por momentos de escravidão em sua vida.
Então ela estava sentindo o gosto de sair das ruas para o estrelato, mas ela nem imaginava que, sem querer, estava envolvida em algo errado: porque Zelda havia roubado as criações de Marocas para voltar ao mundo da MODA em grande estilo, e ela nem sonhava que as roupas que estava usando para promover o novo sucesso da Larocque, na verdade, pertenciam a sua antiga sinhazinha. Marocas! E quando a própria Marocas descobriu que seus desenhos haviam sido roubados, ela tratou de acabar com a farra de Zelda, naquele momento em que ela foi até o apartamento de Betina, e pegou as peças piloto do desfile que a ladra estava prestes a realizar, esfregando na cara de Zelda o quanto ela era sem moral e mau-caráter. Só que Zelda tinha uma aliada nesse plano que não deu muito certo, Betina. E a vilã, que estava ansiosa por ver Marocas sentir o gosto de ter sido enganada, ficou furiosa com o plano fracassado. Betina, então, teve a ideia de colocar Cairu contra Marocas, quando disse a ela que “Marocas havia pegado as roupas do desfile, porque a tinha visto linda, na televisão, e ficado com inveja”.
E a bela negra ficou com os nervos à flor da pele, “porque não bastava os Sabino Machado a terem escravizado, agora eles queriam vê-la como mendiga para sempre”, pois aquela era a oportunidade dela de ser alguém na vida. E ela foi até o cortiço para falar com Marocas, e tirar aquela história a limpo. Cairu se recusou a se acalmar, e a ter uma conversa civilizada, e ela “vomitou”, em cima de Marocas, toda a sua revolta, e depois a culpou por ter roubado os vestidos dela, e também sua única chance de mudar de vida. Cairu ainda foi além, “porque não servia mais aos Sabino Machado”, e ela duvidou que Marocas estivesse feliz por ela não ser mais uma escrava: “Será mesmo? Ou ainda preferia que eu fosse uma escrava?”. Então Marocas deixou Cairu desabafar toda a sua revolta. E eu sou um grande admirador de Marocas, porque ela tem uma capacidade imensa de compreender a dor do próximo, além de senti-la também.
Marocas foi compreensiva, porque ela sentiu que Cairu tinha muito ressentimento em seu coração, e que tudo aquilo precisava ser colocado para fora. E depois que Cairu disse que “havia comido o pão que o diabo amassou, quando era escrava”, ela continuou o desabafo dizendo que “quando acordou neste século, foi dormir no chão, passou fome, frio e foi humilhada”. E ela fez questão de afirmar que “nunca mais seria escravizada”. Assim, exaltada, ela ameaçou usar de agressão, caso Marocas não devolvesse os vestidos. E Marocas, mesmo decepcionada com aquela atitude que ela não esperava de Cairu, quis pagar para ver. E depois que Cairu tentou pegar a força, das mãos de Marocas, um dos vestidos, ela o rasgou, e ficou ainda mais nervosa, culpando Marocas pelo incidente: “Olha o que a sinhá fez!”. E aquele “sinhá” incomodou Marocas, e foi ali que ela decidiu dar um basta naquela rivalidade, ao dizer que “nunca foi a sinhá de Cairu. Nem aqui, nem em outro século, quando ambas haviam se conhecido naquele lugar horrendo!”. Então, nós fomos transportados para o passado das duas, naquele flashback, onde passamos a conhecer um pouco mais sobre Cairu, além de descobrirmos como ela foi parar na vida dos Sabino Machado.
As cenas foram carregadas de emoção! Marocas ainda era uma criança; uma criança que presenciou os maus-tratos de um traficante de escravos, que humilhava e agredia cruelmente Cairu. Mas Cairu sempre foi afrontosa, e quando ela disse, ao traficante, que “era uma rainha, e que renegava ele, e qualquer branco que a quisesse usar”, ela, então, cuspiu na cara de deboche dele. E ele a chicoteou covardemente. Então Marocas gritou para que ele deixasse “a moça em paz”, e mordeu a mão do traficante… Marocas, desde sempre um exemplo de ser humano! E eu já estava chorando com a cena, é claro! Marocas deu a cara a tapa com aquela atitude, e se não fosse um dos escravos, que lhe fazia a guarda, intervir, a defendendo e dizendo que ela era filha de Dom Sabino Machado, o traficante a teria agredido, por aquela dolorosa mordida. Corajosa! Mas a pequena Marocas não era apenas corajosa, ela também era esperta. E quando teve a oportunidade, ela libertou Cairu das correntes, e fugiu com ela do mercado de escravos. Linda!
Marocas deu abrigo e comida a Cairu. E quando Cairu perguntou o que “a sinhazinha queria dela”, Marocas lhe disse, toda simpática, que “não era sinhazinha, e que era uma pessoa igual a ela, a mamã e o papá”. E ela ainda falou que "em sua casa nenhuma pessoa era castigada, porque ela era uma abolicionista". Que coisa mais fofa, gente! Chorei! Mas o traficante foi atrás de Cairu, e ele a agrediu, mais uma vez. Marocas estava sofrendo, porque ela não queria que ele levasse Cairu embora, e ela estava disposta a defender Cairu quantas vezes fosse preciso. Assim, ela acabou comovendo o coração de Dom Sabino, que por amor a ela, e por ser contra aquela violência, comprou Cairu pelo triplo do preço. Dessa forma, Cairu, emocionada, exaltou a pequena Marocas dizendo que “ela era uma menina protegida por Erê! Orixá criança! Santinha Erê! Daí voltamos para o século 21, e as duas estavam emocionadas por relembrarem o passado, e por saber que ainda possuíam laços de amizade. E Marocas se jogou nos braços de Cairu, naquele abraço emocionante. Enquanto Cairu deixou a barreira do orgulho ser quebrada, quando correspondeu àquele abraço. 
E depois de descobrir a verdade sobre o roubo de Zelda, e de ser expulsa da casa de Betina, pela própria vilã, por ter ficado do lado de Marocas, Cairu voltou para as ruas. Mas Marocas, juntamente com Miss Celine, teve mais uma atitude nobre, quando a encontrou dormindo no chão, e a levou para sua casa no cortiço.
Gente, haja coração! Quanta nobreza em uma só mulher!


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